sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

A Reinvenção da Bolívia

Considerações

Há alguns anos aconteceram intensas manifestações que denunciavam a instabilidade do país.


Esses momentos turbulentos dos últimos anos derrubaram presidentes até chegar à eleição de Evo Morales para a presidência da Bolívia, em dezembro de 2005, que além de sinalizar um momento de efervescência político-social muito forte, clarifica uma disputa étnico-cultural singular: o país passou, grande parte das últimas décadas, dirigido por generais e por uma pequena elite branca. Em 182 anos de fundação da república é a primeira vez que um indígena chega ao poder no país.


Uma clara disputa ideológica marca o contexto atual da Bolívia, com elementos segregacionistas de alto teor, onde a classe média urbana propaga seus ideais através da mídia empresarial e se coloca do lado oposto aos campesinos e mineradores indígenas. Infelizmente as divergências políticas não se restringem à mera discussão e culmina em diversos conflitos em praça pública.


O conflito se estabelece num momento de reformulação das bases sócio-político-culturais, quando o presidente encabeça um processo de elaboração de uma nova Constituição mais democrática e popular, que pode ser determinante não só para o futuro da Bolívia, mas para a formulação de alternativas do exercício do poder na América Latina. Certamente, um movimento necessário para se discutir a emancipação tão sonhada do continente.

A “meia dúzia”

Apesar do trocadilho, falar da “Meia Lua” necessariamente implica em falar de uma minoria.

O fato político que deu contorno a esta divisão foi o referendo feito no ano passado acerca das autonomias departamentais. Os departamentos que votaram ¨sim¨ - Beni, Tarija, Pando e Santa Cruz – constituem a chamada ¨meia lua¨ e seus comitês cívicos e governadores são os maiores opositores do governo de Evo Morales. Eles formam o movimento autonomista, que, por detrás do bonito nome, esconde um racismo intenso contra os indígenas e ações de terrorismo contra os que discordam das suas opiniões. O braço armado é a União Juvenil Cruceñista (UJC), que persegue os movimentos sociais nas ruas sempre que estes se manifestam.

A oligarquia destas regiões é formada principalmente por latifundiários e empresariado e sempre esteve representada nos governos anteriores. Este setor não quer perder os privilégios que possuía antes do governo de Evo Morales como tamnbém da participação que possuem os movimentos sociais neste. A sua proposta de autonomia departamental inclui controle dos recursos naturais existentes em seu território e controle da política agrária em nível local, tudo isso sem a participação do governo nacional.


O povo

A Bolívia tem cerca de 62% da população indígena, compondo um mosaico de 38 etnias diferentes, formadas principalmente pelos aymaras e quechuas.

Essas diferentes nações viveram sempre em posições marginais à sociedade, excluídos do processo político, só garantiram seu direito ao voto em 1952.


Nas cidades, ao longe se vê morros e favelas. Como no Brasil, a periferia é relegada aos pobres e migrantes e são locais com precária infra-estrutura urbana. Falta água encanada, energia elétrica, assistência à saúde, escolas, esgotamento sanitário e no meio de tantas necessidades encontramos um poder organizativo muito forte.


O nível de politização dos bolivianos é notável, fato observável nas freqüentes marchas que tomam as ruas das cidades. Entre a maioria, excluída todos esses anos de um processo político-social justo e realmente democrático, existe o consenso no apoio à Evo Morales.


O homem do povo


Evo Morales, um aymara, pastor de lhamas quando criança e campesino cocalero quando adulto, hoje presidente de uma das nações mais ricas em recursos naturais da América Latina, luta para a efetiva mudança na sociedade boliviana.

Questionado sobre sua posição política, Evo responde: “(...) jamais de direita e de esquerda depende, porque na Bolívia há alguns chamados esquerdistas que são instrumentos do imperialismo norte-americano, sou humanista!”

Evo compromete-se em favor da vida e da humanidade, expressa sua rejeição a conflitos armados e à violência.


A Constituição

Como principal força de oposição ao governo, a atuação de representantes de terras orientais foi decisiva para a degradação política do processo constituinte que se iniciou no ano passado.

Mesmo sobre fortes pressões e ameaças, inclusive sobre a integridade física dos constituintes, o texto foi aprovado no último 09/12 e deverá ser submetido a referendo em janeiro de 2008.


O primeiro artigo da nova Constituição boliviana assinala: “A Bolívia se constitui em um Estado Unitário, Social, de Direito, Plurinacional, Comunitário, livre, autonômico e descentralizado, independente, soberano, democrático e intercultural. Funda-se na pluralidade e no pluralismo político, econômico, jurídico, cultural e lingüístico, dentro do processo integrador do país”.


O novo texto constitucional estabelece ainda, entre outras coisas, um modelo econômico conformado pelas economias estatal, comunitária e privada. A Carta Magna respeita a propriedade privada, sempre que esta cumpra uma função social.

Além disso, determina que os recursos naturais possuam caráter estratégico e são essenciais para o desenvolvimento do país. Assim, tais bens são de “propriedade e domínio social, direto, indivisível e imprescritível do povo boliviano, sendo o Estado o proprietário de toda a produção e o único facultado para sua comercialização”.

A nova Constituição cumpre sua função democrática e popular pela primeira vez na história da Bolívia, tratando de temas que vão desde a pluralidade cultural a recursos naturais, mas diferentemente das Cartas Magnas vigentes na América Latina, a Carta boliviana declara em seu décimo artigo:


I- Bolívia é um Estado pacifista que promove a cultura de paz e o direito à paz, assim como a cooperação entre os povos da região e do mundo, a fim de contribuir o conhecimento mútuo, o desenvolvimento eqüitativo e a promoção da interculturalidade com pleno respeito a soberania dos Estados;


II- Bolívia rechaça a guerra como forma de solucionar as diferenças e os conflitos entre Estados e se reserva o direito à legítima defesa em caso de agressão que comprometa a independência e a integridade do Estado;

III- É proibida a instalação de bases militares estrangeiras em território boliviano.”


Engraçado que a grande mídia noticia apenas o artigo da reeleição, e ainda a considera ilegal e ditatorial, mas ao contrário do que dizem a Assembléia Constituinte aprovou que o presidente da República só se permitirá reeleger-se por uma vez e que este poderá ser submetido a um referendo revogatório. Caso sua saída seja decidida pela população, o vice assumirá e convocará novas eleições no prazo de 90 dias.


*Para saber mais acesse: http://www.constituyente.bo/





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