terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Os Andinos ventos da mudança

O resultado do Referendo Aprobatório na Venezuela, ao contrário do que noticia a grande mídia, não resulta na derrota de Chávez, mas numa demonstração de que a real democracia caminha a passos largos para a realidade. A vitória do “Não”, segundo o New York Times foi estrondosa, talvez o tenha sido para a direita regressista e conservadora, mas é válido ressaltar que a diferença de votos foi mínima (Não: 50,70% e Sim: 49,29%) e que além das concessões ao Presidente da República os venezuelanos reprovaram com esta reforma temas como redução da jornada trabalhista, ampliação da seguridade social para os trabalhadores informais e o manejo das reservas internacionais do Banco Central.

A proximidade do Presidente Hugo Chávez com os Presidentes Evo Morales e Rafael Correa, deve-se ao fato da mútua aspiração de se construir uma América Latina unida, da necessidade desses países de recuperarem seus recursos naturais e energéticos, e de se lançarem projetos político-sociais que priorizem o bem estar e o resgate da dignidade de seus povos.

Na Bolívia, está sendo elaborada uma nova Carta Magna. Os constituintes da oposição negaram-se a comparecer às sessões da Assembléia Constituinte e muitos saíram de férias para boicotar a votação. Hoje, com apoio da imprensa boliviana e internacional, governadores e constituintes da oposição mantêm o argumento sobre a ilegalidade da nova Carta. Produtores agrícolas ligados aos interesses da Meia Lua (Beni, Tarija, Pando e Santa Cruz), intensificaram os conflitos quando começaram a especular produtos alimentícios de primeira necessidade, Omar Fernandez, senador pelo MAS, propôs que o povo se organizasse para descobrir quem estava escondendo a comida e que essas pessoas fossem presas. Para contrapor a crise política, Evo Morales anunciou uma proposta de referendo revogatório para ele e para todos os governadores da Bolívia.

Nos últimos dias, Santa Cruz declarou-se autônoma, rompendo o vínculo legal com o governo central. O rompimento tem como fundo impedir a nacionalização efetiva dos recursos hidrocarbônicos, muito rico nessa região, e a desapropriação de terras para a reforma agrária. Porém, além dos interesses econômicos, Santa Cruz e os outros departamentos da “meia lua”, escondem um racismo intenso contra os indígenas.

A formação de Assembléias Constituintes por parte da Bolívia, Equador e Venezuela, para substituir suas Constituições obsoletas e antidemocráticas é um caminho a ser seguido por outros países da região. A intenção destes países para construir uma nova ordem institucional democraticamente consensuada, alcançando através desse procedimento legislativo um acordo social majoritário e sem exclusões, parte também da perspectiva de integração dos povos do continente.

Os andinos ventos da mudança, são bem vindos em terras brasileiras e apoiamos explicitamente todas às nações latino-americanas que demonstram ter o mesmo objetivo de contribuir para o avanço do melhoramento das condições de vida das pessoas. Apoiamos Evo Morales pela iniciativa de constitucionalmente renunciar à guerra como forma de resolver conflitos, e pela valentia para seguir o caminho da não-violência ativa na construção de uma nova América Latina Unida e em defesa da Humanidade.

*Esse texto é uma resposta ao editorial do NYTimes publicado em 6 de dezembro de 2007.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

A Reinvenção da Bolívia

Considerações

Há alguns anos aconteceram intensas manifestações que denunciavam a instabilidade do país.


Esses momentos turbulentos dos últimos anos derrubaram presidentes até chegar à eleição de Evo Morales para a presidência da Bolívia, em dezembro de 2005, que além de sinalizar um momento de efervescência político-social muito forte, clarifica uma disputa étnico-cultural singular: o país passou, grande parte das últimas décadas, dirigido por generais e por uma pequena elite branca. Em 182 anos de fundação da república é a primeira vez que um indígena chega ao poder no país.


Uma clara disputa ideológica marca o contexto atual da Bolívia, com elementos segregacionistas de alto teor, onde a classe média urbana propaga seus ideais através da mídia empresarial e se coloca do lado oposto aos campesinos e mineradores indígenas. Infelizmente as divergências políticas não se restringem à mera discussão e culmina em diversos conflitos em praça pública.


O conflito se estabelece num momento de reformulação das bases sócio-político-culturais, quando o presidente encabeça um processo de elaboração de uma nova Constituição mais democrática e popular, que pode ser determinante não só para o futuro da Bolívia, mas para a formulação de alternativas do exercício do poder na América Latina. Certamente, um movimento necessário para se discutir a emancipação tão sonhada do continente.

A “meia dúzia”

Apesar do trocadilho, falar da “Meia Lua” necessariamente implica em falar de uma minoria.

O fato político que deu contorno a esta divisão foi o referendo feito no ano passado acerca das autonomias departamentais. Os departamentos que votaram ¨sim¨ - Beni, Tarija, Pando e Santa Cruz – constituem a chamada ¨meia lua¨ e seus comitês cívicos e governadores são os maiores opositores do governo de Evo Morales. Eles formam o movimento autonomista, que, por detrás do bonito nome, esconde um racismo intenso contra os indígenas e ações de terrorismo contra os que discordam das suas opiniões. O braço armado é a União Juvenil Cruceñista (UJC), que persegue os movimentos sociais nas ruas sempre que estes se manifestam.

A oligarquia destas regiões é formada principalmente por latifundiários e empresariado e sempre esteve representada nos governos anteriores. Este setor não quer perder os privilégios que possuía antes do governo de Evo Morales como tamnbém da participação que possuem os movimentos sociais neste. A sua proposta de autonomia departamental inclui controle dos recursos naturais existentes em seu território e controle da política agrária em nível local, tudo isso sem a participação do governo nacional.


O povo

A Bolívia tem cerca de 62% da população indígena, compondo um mosaico de 38 etnias diferentes, formadas principalmente pelos aymaras e quechuas.

Essas diferentes nações viveram sempre em posições marginais à sociedade, excluídos do processo político, só garantiram seu direito ao voto em 1952.


Nas cidades, ao longe se vê morros e favelas. Como no Brasil, a periferia é relegada aos pobres e migrantes e são locais com precária infra-estrutura urbana. Falta água encanada, energia elétrica, assistência à saúde, escolas, esgotamento sanitário e no meio de tantas necessidades encontramos um poder organizativo muito forte.


O nível de politização dos bolivianos é notável, fato observável nas freqüentes marchas que tomam as ruas das cidades. Entre a maioria, excluída todos esses anos de um processo político-social justo e realmente democrático, existe o consenso no apoio à Evo Morales.


O homem do povo


Evo Morales, um aymara, pastor de lhamas quando criança e campesino cocalero quando adulto, hoje presidente de uma das nações mais ricas em recursos naturais da América Latina, luta para a efetiva mudança na sociedade boliviana.

Questionado sobre sua posição política, Evo responde: “(...) jamais de direita e de esquerda depende, porque na Bolívia há alguns chamados esquerdistas que são instrumentos do imperialismo norte-americano, sou humanista!”

Evo compromete-se em favor da vida e da humanidade, expressa sua rejeição a conflitos armados e à violência.


A Constituição

Como principal força de oposição ao governo, a atuação de representantes de terras orientais foi decisiva para a degradação política do processo constituinte que se iniciou no ano passado.

Mesmo sobre fortes pressões e ameaças, inclusive sobre a integridade física dos constituintes, o texto foi aprovado no último 09/12 e deverá ser submetido a referendo em janeiro de 2008.


O primeiro artigo da nova Constituição boliviana assinala: “A Bolívia se constitui em um Estado Unitário, Social, de Direito, Plurinacional, Comunitário, livre, autonômico e descentralizado, independente, soberano, democrático e intercultural. Funda-se na pluralidade e no pluralismo político, econômico, jurídico, cultural e lingüístico, dentro do processo integrador do país”.


O novo texto constitucional estabelece ainda, entre outras coisas, um modelo econômico conformado pelas economias estatal, comunitária e privada. A Carta Magna respeita a propriedade privada, sempre que esta cumpra uma função social.

Além disso, determina que os recursos naturais possuam caráter estratégico e são essenciais para o desenvolvimento do país. Assim, tais bens são de “propriedade e domínio social, direto, indivisível e imprescritível do povo boliviano, sendo o Estado o proprietário de toda a produção e o único facultado para sua comercialização”.

A nova Constituição cumpre sua função democrática e popular pela primeira vez na história da Bolívia, tratando de temas que vão desde a pluralidade cultural a recursos naturais, mas diferentemente das Cartas Magnas vigentes na América Latina, a Carta boliviana declara em seu décimo artigo:


I- Bolívia é um Estado pacifista que promove a cultura de paz e o direito à paz, assim como a cooperação entre os povos da região e do mundo, a fim de contribuir o conhecimento mútuo, o desenvolvimento eqüitativo e a promoção da interculturalidade com pleno respeito a soberania dos Estados;


II- Bolívia rechaça a guerra como forma de solucionar as diferenças e os conflitos entre Estados e se reserva o direito à legítima defesa em caso de agressão que comprometa a independência e a integridade do Estado;

III- É proibida a instalação de bases militares estrangeiras em território boliviano.”


Engraçado que a grande mídia noticia apenas o artigo da reeleição, e ainda a considera ilegal e ditatorial, mas ao contrário do que dizem a Assembléia Constituinte aprovou que o presidente da República só se permitirá reeleger-se por uma vez e que este poderá ser submetido a um referendo revogatório. Caso sua saída seja decidida pela população, o vice assumirá e convocará novas eleições no prazo de 90 dias.


*Para saber mais acesse: http://www.constituyente.bo/